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Uma dessas distorções é a ideia da superação individual. O discurso da força, da autossuficiência, da resiliência isolada. A cultura do guerreiro, do vencedor, do “eu me basto”. Basta ligar a TV, abrir o Instagram, ouvir um podcast famoso. Todo mundo vendendo a ideia de que ser forte é dar conta de tudo sozinho, vencer batalhas internas no isolamento.
Mas isso é mentira. Ninguém supera nada sozinho. Toda história de superação tem por trás uma rede de apoio, que sustenta, acolhe e ajuda a atravessar os desafios da vida. É no encontro com o outro que a gente encontra chão, sentido e possibilidade.
Falo disso não só como psicólogo, mas também pela minha própria trajetória. Emagreci mais de 100 quilos, sem cirurgia bariátrica e sem remédios. E, muitas vezes, as pessoas me abordam como se eu tivesse feito isso sozinho, como se fosse uma prova de força, disciplina e autocontrole. A verdade é que nunca caminhei só. Profissionais, amigos, familiares e pessoas queridas foram fundamentais em cada etapa, tanto no processo de emagrecimento quanto na manutenção, há mais de 10 anos. O que parece ser uma vitória individual é, na verdade, uma construção coletiva.
Outra distorção que adoece é transformar o outro em ameaça. Basta olhar o volume de mensagens que circulam diariamente nos grupos de WhatsApp, nas redes e nos noticiários. Discursos que reforçam o medo do diferente, do estranho, do que não se parece comigo. Isso gera desconfiança, isolamento, fechamento. Aprendemos, todos os dias, que se proteger é se afastar.
E tudo isso se soma à velocidade insana em que vivemos. Trabalhamos o tempo todo, estamos conectados a centenas de pessoas, mas, na hora do aperto, falta coragem para fazer algo simples e profundamente humano: ligar para alguém e dizer “preciso conversar”.
E aqui se conecta algo que venho refletindo no meu texto anterior sobre Inteligência Artificial. Ferramentas como o ChatGPT, que são incríveis e fascinantes, acabam reforçando essa lógica de que não precisamos do outro. A IA oferece respostas rápidas, sem contradição, sem frustração, sem demora. Simula escuta, acolhimento e companhia. Mas é só isso: uma simulação.
E quanto mais nos acostumamos a substituir a imperfeição do encontro humano pela eficiência das respostas automáticas, mais essa epidemia silenciosa da solidão se espalha. Porque estar sozinho, no sentido de estar bem na própria companhia, é algo saudável, necessário, essencial. É no silêncio, na pausa, na conversa honesta consigo mesmo que nascem clarezas, reorganizações internas e crescimento.
Insisto, não é sobre isso que a OMS acende o alerta. O que adoece não é estar só, é estar desconectado. É viver cercado de gente, mas sem troca real. Ter mil conversas, mas nenhuma que te alcance de verdade. Acordar todos os dias com a sensação de que não há com quem dividir, construir, pertencer.
Vá por mim: o destino da vida humana é no vínculo, na partilha, na construção conjunta. E é contra essa cultura do isolamento, que nos ensina a temer, competir e acreditar que somos mais fortes sozinhos, que precisamos trabalhar.
Se eu posso te deixar uma reflexão, como psicólogo e como alguém que também já atravessou processos difíceis na vida, é essa: busque pessoas, fortaleça seus vínculos, nutra suas relações. Porque uma vida que vale a pena não é uma vida solitária. É uma vida partilhada.
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